Resumo: Registra-se, com frequência, na sociedade contemporânea significativa tensão entre processos de secularização e vitalidade religiosa, os quais coexistem e, onde, a despeito da tendência ao desencantamento do mundo e um aparente esvaziamento da religião, nenhuma espécie de racionalidade instrumental conseguiu a proeza de retirar deste mesmo mundo a sua “aura religiosa”. Pelo contrário, o que se observa é que, ao invés de simplesmente desaparecerem, as religiosidades e espiritualidades estão cada vez mais popularizadas, mesmo que muitas vezes se revelem deslocadas de instituições assumidamente eclesiásticas. Ou seja, por mais desconfortável que o tema religioso possa parecer, ao cientista, ao psicólogo e/ou a outros membros da sociedade, somos confrontados com ele a todo momento na realidade cotidiana. No âmbito específico da Psicologia, as crescentes repercussões midiáticas do tema religioso, em conexão com a prática do psicólogo, têm levado, direta ou indiretamente, a uma interessante e significativa mudança de cenário no campo dos estudos, atuação e formação em psicologia no Brasil. Assim o tema da religiosidade e da espiritualidade, que tendia a ser quase completamente silenciado no contexto de formação do psicólogo, por ser considerado marginal, desinteressante ou não científico, passou a ser valorizado nas últimas décadas e reconhecido como relevante e necessário. Um dos aspectos que têm se tornado alvo de muito debate, por exemplo, é a relação entre o princípio de laicidade do Estado e as posturas dos profissionais perante temas polêmicos, como por exemplo, a homossexualidade, o aborto, sendo comuns as denúncias de psicólogos nos Conselhos de Psicologia relativamente a tais assuntos quando de algum modo relacionados também às posturas religiosas de psicólogos clínicos. Dando continuidade a estudos anteriores, realizado em contextos hospitalares e de atenção à saúde mental, este projeto propõe uma investigação em duas etapas, sucessivas e complementares: a) numa primeira etapa, propõe-se uma investigação juntos aos Conselhos Regionais de Psicologia – CRPs da Região Centro Oeste, com vistas a uma mapeamento das denúncias que têm chegado a estes conselhos envolvendo a temática em foco; b) numa segunda etapa, propões uma investigação diretamente com psicólogos psicoterapeutas, de diferentes perspectivas teóricas (psicanálise, psicologia analítica, comportamentalismo, cognitivismo e gestaltismo), com vistas a conhecer as próprias percepções dos mesmos quanto à religiosidade e/ou espiritualidade de pacientes atendidos em clínicas psicológicas e consultórios particulares do Distrito Federal, Goiânia, Campo Grande e Cuiabá, cobrindo, portanto, quatro capitais da Região Centro Oeste. Será dada atenção especial aos seguintes aspectos: a) modo como os profissionais percebem a presença da religiosidade nos atendimentos clínicos que realizam; b) como lidam com a opção religiosa intencional de seus pacientes; c) se e em que condições a consideram um impasse ou uma possibilidade à reorganização psíquica individual ou coletiva dos mesmos; d) que critérios empregam para distinguirem experiências religiosas de sintomas psicopatológicos; e) o que consideram, no contexto da psicoterapia, boas ou más práticas no modo de lidar com o binômio religiosidade/espiritualidade e saúde mental; f) se e como o tema da religiosidade e da espiritualidade foi abordado ao longo de sua formação. A metodologia adotada será de cunho qualitativo, empregando-se análise documental sobre documentos de registros nos CRPS e entrevistas individuais com psicoterapeutas. Tais entrevistas serão conduzidas e analisadas em consonância com a perspectiva fenomenológica, buscando-se identificar as divergências e convergências entre as percepções dos profissionais entrevistados. Pretende-se entrevistar um total de 60 psicoterapeutas, equitativamente distribuídas entre as diferentes abordagens. Os resultados obtidos permitirão a comparação entre diferentes abordagens como também entre as quatro capitais mencionadas. Serão colocados em diálogo com as diretrizes e políticas dos Conselhos Regionais e Federais de Psicologia do país e com a literatura existente sobre o assunto, mais especificamente no campo da Psicologia da Religião e suas implicações para a Psicoterapia. Complementando esta análise, serão considerados os resultados da sondagem das denúncias, realizadas junto aos CRPS das regiões mencionadas, contra psicólogos devido a problemas éticos no modo de lidarem com a questão da religiosidade e suas relações com a laicidade do Estado. Tais resultados serão colocados em diálogo também com o que se obteve na pesquisa realizada diretamente com os profissionais, e a partir disso, se elaborará cursos de formação para psicólogos clínicos, via os CRPs e as universidades envolvidas nos projetos, especialmente no âmbito do Distrito Federal. |